#27. Planejamento sucessório: algumas reflexões práticas
por Ana Carolina Brochado Teixeira
Planejar é organizar um roteiro, programar, arquitetar formas de realizar um objetivo. Quando o planejamento se volta à sucessão, tem como propósito pensar sobre a transmissão dos bens por direito hereditário – tradicionalmente, portanto, após a morte do titular - embora, em alguns casos, possa ser antecipada em vida.
O planejamento sucessório – que já era uma tendência – consolidou-se com a pandemia da COVID-19, pois o ser humano se deparou com a certeza da finitude em escala global. A dificuldade em falar da morte e o constante emaranhamento entre afeto e finanças presente na cultura ocidental vêm cedendo espaço para maior procura por meios que minimizem litígios, custos tributários e reflitam soluções que, ao mesmo tempo em que respeitem a lei, diminuam preocupações do titular do patrimônio com o futuro dos herdeiros, dos bens e das pessoas que lhe são importantes.
Ao lado dessa mudança cultural, também contribuiu para a crescente importância do planejamento a multiplicidade de casamentos e uniões estáveis no decorrer da vida – com filhos de vários relacionamentos –, que tornou visível a necessidade de se organizar o patrimônio. Além disso, a realidade demonstra a difusão de bens de alto valor econômico, para além dos imóveis; trata-se dos valores mobiliários e participações societárias, com o crescimento das atividades empresariais. Também se expandem os bens digitais, cuja valoração tem crescido substancialmente. Essas são realidades que têm desafiado uma função estática da propriedade, para que ela passe a cumprir a sua função social também no âmbito do direito sucessório, o que tem sido um convite a uma organização para que o patrimônio perdure e apoie os herdeiros, quando o titular não mais estiver vivo.
Fazer um bom planejamento sucessório não é tarefa simples, pois não há um modelo pronto. É preciso personalizar o procedimento, a partir dos anseios do(a) titular do patrimônio: quais as razões para se buscar o planejamento? Quais as preocupações? Ter clareza na motivação é essencial, pois ela será o fio condutor de todas as etapas do procedimento.
Parte-se da análise da distribuição da herança sem planejamento, pois é possível visualizar as vantagens de um planejamento sucessório, ante regras do direito hereditário que constantemente causam algum desconforto para as famílias, como a concorrência sucessória do cônjuge casado no regime da separação total de bens com descendentes ou a incerteza da condição de herdeiro necessário do companheiro supérstite. Conquanto o planejamento não resolva a integralidade dos problemas, pode atenuá-los.
Além disso, o planejamento pode potencializar a utilidade do patrimônio pelos futuros herdeiros, promovendo uma distribuição mais coerente com as necessidades de cada um, em observância de sua eventual vulnerabilidade, a fim de que a atribuição dos bens possa auxiliar no suprimento dessas fragilidades e que atue de modo a proteger o herdeiro e a promover sua dignidade, no âmbito material, quando aquele responsável por suprir seu sustento tiver falecido. Também é relevante atentar em eventuais vínculos existentes entre potenciais herdeiros com algum bem do acervo patrimonial do titular do patrimônio e que, sob o viés quantitativo, caberia no quinhão de um dos herdeiros – é a filha, por exemplo, que trabalha na empresa do pai, sendo interessante para a continuidade do negócio e para a preservação do trabalho da filha que ela fique com as quotas da empresa, ou o filho que reside em um dos imóveis do planejador, proporcionando-lhe segurança a continuidade da moradia. Outro pilar a ser considerado são os custos com manutenção dos bens, liquidez, potencial de exploração econômica e as condições financeiras dos herdeiros, que podem demandar necessidades específicas.
Os instrumentos de planejamento são inúmeros e não se restringem ao direito sucessório, que tem ferramentas clássicas, como testamento e codicilo. Há também aqueles de natureza contratual (doação, compra e venda, pacto antenupcial e de união estável etc.), real (usufruto e direito real de habitação), societária (holding, pactos parassociais etc.), financeira (previdência privada, seguro de vida), por exemplo.
O planejamento é construído a partir da combinação motivação do planejador e escolha do(s) instrumento(s) adequado(s), que atenda(m) às prioridades possíveis dentro dos limites legais. É importante observar que ele não se presta a blindar o patrimônio e provocar fraudes, mas é meio de realização da vontade sucessória daquele que construiu seus bens em sua vida, administrou-os e pretende que eles sirvam à sua família ou àqueles que lhe são caros, nos espaços de autonomia permitidos pela lei, também cuidando da longevidade e crescimento dos bens.
Por tudo isso, é necessário que sejam parametrizadas e personalizadas as disposições sucessórias com o objetivo de se buscar preservar a herança, por meio de condições que proporcionem sua máxima funcionalidade e supram as necessidades dos herdeiros. Uma vez atendidos tais requisitos, realizam-se, a um só tempo, a função social da propriedade no âmbito do direito das sucessões, e, sobretudo, a vontade do autor da herança, motor de todo planejamento sucessório.