#14. Protesto contra a alienação de bens em arbitragem
O protesto contra a alienação de bens corresponde a medida decorrente do poder geral de cautela do árbitro, cujo exclusivo propósito é dar conhecimento a terceiros da possível existência de direito daquele que a pleiteia que possa atingir determinado bem do suposto devedor. Não se cuida, portanto, de declaração de indisponibilidade, tampouco de vedação à realização de negócios em relação ao bem; não há, com efeito, qualquer restrição aos poderes inerentes ao domínio (uso, gozo e disposição).[1] Trata-se, apenas, de providência voltada a afastar a boa-fé subjetiva do terceiro adquirente e, assim, respaldar eventual pleito do autor da medida de declaração de ineficácia do negócio jurídico entabulado, caso a excussão do bem se faça necessária à satisfação de seu crédito.
Por vezes, todavia, o pedido é endereçado pela parte sob as vestes de mero protesto contra a alienação de bens, mas, da forma como formulado, acaba por avançar sobre a sua própria indisponibilidade, o que deve ser objeto de especial atenção do Tribunal Arbitral em razão da diversidade dos requisitos e dos efeitos de ambas as medidas.
De fato, justamente por não importar a indisponibilidade do bem, o protesto contra a alienação requer requisitos menos severos para a sua concessão do que os exigidos para aquele específico propósito, a saber: legítimo interesse do promovente e não prejudicialidade ao proprietário.
O primeiro requisito se verifica se demonstrada a necessidade ou a utilidade da medida para conservar ou preservar direitos porventura preexistentes.
No âmbito de procedimentos arbitrais, a depender das circunstâncias do caso concreto, o protesto contra a alienação pode se revelar especialmente relevante para a tutela dos interesses do requerente, seja como medida pré-arbitral, seja já durante o procedimento. Em razão da confidencialidade da qual, de regra, se reveste a arbitragem, eventuais adquirentes muitas vezes sequer saberão da existência do litígio envolvendo o proprietário do bem que possa impactar a higidez do negócio com ele celebrado, ao contrário do que ocorre na pendência de processos estatais, cuja existência é possível aferir a partir da obtenção de certidões.
O segundo requisito, por sua vez, impõe que o deferimento do protesto não “atent[e] contra a liberdade [do proprietário] de contratar ou de agir juridicamente”.[2] A esse propósito, especial atenção deve ser dada à extensão da medida.
O protesto contra a alienação não deve alcançar indistintamente todos os bens do patrimônio do suposto devedor, mas apenas aqueles necessários à eventual satisfação do crédito. Impõe-se, com efeito, bem verificar a proporcionalidade do pedido aduzido pela parte, que deve especificar os bens estritamente necessários ao fim colimado.
O cuidado se justifica, pois não se pode perder de vista que, embora o protesto não acarrete qualquer entrave legal à livre circulação do bem, na prática, é possível que haja algum embaraço quando de sua alienação, o que pode se refletir até mesmo na redução de seu valor de mercado, já que o adquirente passa a correr o risco de, qualificando-se como terceiro de má-fé, ver declarada a ineficácia do negócio jurídico celebrado a fim de satisfazer eventual dívida do alienante. O protesto que abarque mais bens do que os necessários para tutelar os interesses do suposto credor acaba por restringir indevidamente, ainda que apenas do ponto de vista prático, os direitos do requerido, extrapolando a finalidade do instituto, que é assegurar o resultado útil do procedimento.
Importante notar que a mera publicação de editais tende a não se mostrar suficiente per si para afastar a boa-fé de terceiros adquirentes de bens imóveis, sendo, no mais das vezes, necessário que o protesto esteja averbado na respectiva matrícula.[3] Isso, porque, nos termos do § 1º, do art. 54, da Lei nº 13.097/2015, “[n]ão poderão ser opostas situações jurídicas não constantes da matrícula no registro de imóveis (...) ao terceiro de boa-fé” (grifou-se).
Três são, com efeito, as possibilidades: (i) se o protesto estiver averbado, há presunção de conhecimento erga omnes por força da publicidade registral (conhecimento reputado), a afastar a boa-fé subjetiva do terceiro adquirente, razão pela qual a medida lhe será oponível; (ii) se não estiver averbado, mas restar comprovado que o terceiro sabia da existência do protesto por ter tido acesso ao edital publicado ou por outro meio qualquer (conhecimento efetivo), configura-se a sua má-fé, e a medida também lhe será oponível; (iii) se, todavia, o protesto não estiver averbado e o promovente não provar que o adquirente conhecia a medida, ela não lhe será oponível.
Nesse cenário, impõe-se reconhecer que a Lei nº 13.097/2015 apenas estabeleceu um critério, dentre outros possíveis, para a aferição da boa-fé subjetiva do adquirente. Ao fim e ao cabo, cuida-se de um problema de ônus da prova acerca da ciência do terceiro sobre o protesto contra a alienação. Seja como for, presumido ou provado o conhecimento, o autor da medida poderá perseguir a declaração de ineficácia da alienação, caso seja necessário alcançar o bem para a satisfação do crédito reconhecido no procedimento arbitral.
Nota prática. Considerando a ausência de menção expressa na Lei de Registros Públicos a decisões arbitrais, é possível que o registrador se recuse a averbar o protesto contra a alienação de bem imóvel determinado pelo juízo arbitral. No que tange especificamente ao Estado de São Paulo, a recusa se torna ainda mais provável diante do disposto nas Normas de Serviço da Corregedoria Geral referentes a Cartórios Extrajudiciais, cujo item 76.3 do Capítulo XX admite “a averbação do protesto contra alienação de bens diante de determinação judicial expressa do juiz do processo, consubstanciada em Mandado dirigido ao Oficial do Registro de Imóveis” (grifou-se). Nesse caso, a solução será a expedição de carta arbitral para o órgão jurisdicional competente, a fim de solicitar seu auxílio no cumprimento das diligências para o integral cumprimento da decisão arbitral.
Aline Terra
Professora de Direito Civil da UERJ e da PUC-Rio.
Sócia em Aline de Miranda Valverde Terra Consultoria Jurídica.
[1] THEODORO JÚNIOR, Humberto. Procedimentos especiais. v. II, 50. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2016, p. 450.
[2] STJ, 3ª T., RMS 35.481/SP, Rel. Min. Massami Uyeda, Rel. p/ Acórdão Min. Nancy Andrighi, julg. em 28/8/2012.
[3] É possível o protesto contra a alienação mesmo tratando-se de bem de família. A propósito, confira-se: “Em relação ao bem de família, o protesto contra alienação de bens não possui o objetivo de obstar ou anular o negócio jurídico de venda do imóvel impenhorável, mas somente de informar terceiros de boa-fé a respeito da pretensão do credor de penhora do bem, na hipótese de afastamento da proteção conferida pela Lei n. 8.009/1990. Assim, estão presentes os pressupostos para o protesto contra a alienação de bens, tendo em vista que a publicidade da pretensão é essencial para proteção de terceiros de boa-fé e preservação do direito do executante de futura constrição do imóvel, no caso da perda da qualidade de bem de família” (STJ, 4ª T., REsp. 1.236.057/SP, Rel. Min. Antônio Carlos Ferreira, julg. em 6/4/2021).
[4] A respeito da distinção entre conhecimento efetivo e conhecimento reputado a partir dos mecanismos de publicidade, confira-se: MAIA, Roberta Mauro Medina. Teoria geral dos direitos reais. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2013, p. 210, et. seq.