#18. As cláusulas de declarações e garantias: conceito e funções
por Caitlin Mulholland
As cláusulas de declarações e garantias, também conhecidas como representations and warranties clauses, configuram declarações expressas emitidas pelas partes contratantes no corpo de um contrato, visando o reconhecimento de determinadas informações pretéritas ou presentes a respeito de condições essenciais para a formação e execução de um negócio jurídico, assim como incorporando ao programa contratual determinadas garantias – em sentido lato –, concedidas de parte a parte, quanto à exequibilidade do contrato e a responsabilidade contratual no caso de não conformidade das declarações emitidas.
Geralmente apostas em contratos de compra e venda de natureza societária – i.e. fusões e aquisições e alienação de participação societária –, essas cláusulas foram importadas do common law para a teoria contratual brasileira que se apropriou do formalismo contratual inerente aos contratos dos ordenamentos inglês e americano e as adaptou para a realidade normativa pátria. Deste modo, a integração destas cláusulas a um dos tipos contratuais acima mencionados serviria como um mecanismo para dar concretude aos deveres decorrentes do princípio da boa fé objetiva, mais notadamente, o dever de informar. Considerando-se que, em sua maioria, os contratos societários firmados no Brasil têm como modelo de regulação de interesses os contratos do common law, percebemos que o seu conteúdo textual é de suma importância, na medida em que em sua interpretação deve-se atender ao regulamento contratual expressamente acordado pelas partes, restando ao intérprete – i.e. uma juíza ou tribunal arbitral – uma posição passiva quanto ao convencionado pelas partes.
Resumidamente, por meio de tais cláusulas, as partes de um contrato de compra e venda de natureza societária – geralmente a vendedora – emitem declarações com o objetivo de informar a outra parte – geralmente a compradora – sobre o nível de segurança referente aos riscos próprios do negócio realizado. Isto é, trata-se de cláusula que objetiva creditar às partes do contrato uma segurança a respeito das informações relevantes para a plena satisfação dos objetivos contratuais. Nesse contexto, a declaração configura a presentação por uma das partes do contrato de um fato específico que pode ser tomado como verdadeiro pela parte a quem é dirigida a declaração. O conteúdo da cláusula contratual que se refere às garantias, complementaria as declarações – e a elas se referiria –, configurando-se como um tipo de asseguramento a respeito das informações prestadas pelas partes.
Reconhece-se, assim, que as cláusulas de declarações e garantias possuem uma especial conotação de reforço jurídico, uma vez que as informações prestadas por meio delas se inserem no corpo contratual – na condição de cláusulas acessórias –, mas que se adicionam à manifestação de vontade, tornando-as essenciais para a celebração e execução do contrato. Ou seja, elas aderem à manifestação de vontade tornando-se parte integrante e fundamental para a realização das finalidades e da causa do contrato. Estas cláusulas determinam um dever de diligência qualificado por parte das contratantes que devem aderir ao programa contratual levando em conta as informações prestadas como sendo verdadeiras, a fim de avaliar, precificar e responsabilizar as partes a respeito dos riscos da contratação.
Portanto, a cláusula de declarações e garantias é uma cláusula descritiva que não estabelece obrigações expressas, nem sanções em caso de existência de discrepância nas informações prestadas, que restariam previstas em cláusulas outras como as resolutivas, de limitação de perdas e danos ou de exoneração de responsabilidade, por exemplo. Pode-se classificá-la como cláusula acessória ou, até mesmo, elemento acidental do negócio jurídico – assumindo a função de condição resolutiva, por exemplo –, pois não é essencial para a existência do contrato (como sujeito, objeto e forma), nem elemento natural, que se erija como requisito de validade do negócio.
No caso de descumprimento desta cláusula de declarações e garantias, existem determinadas consequências jurídicas a serem consideradas, dependendo da função exercida pela cláusula no contrato, do grau de informação prestado e da violação da confiança esperada pela parte a quem dirigida a declaração. Daí pode-se relacionar entre as consequências a possibilidade de resolução do contrato e indenização por perdas e danos, a revisão das cláusulas contratuais para reequilibrar os termos do contrato e até mesmo a invalidade do contrato, por erro ou dolo.