#159. O comércio como origem dos contratos de colaboração
Por Tatiana Dratovsky Sister
O comércio é prática bastante antiga. Consistiu, essencial e inicialmente, em atividades de troca voluntária de uma coisa por outra, normalmente concentradas em itens excedentes produzidos para o sustento do produtor.
A troca de produtos e de serviços sempre existiu entre os seres humanos, mesmo antes de ser chamada de comércio. Historicamente, diversos grupos cultivavam alimentos e, se a colheita fosse bem-sucedida e suficiente para alimentar todos os membros do grupo, o excedente era usado como moeda de troca para obter provisões, alimentos e ferramentas que facilitassem as tarefas diárias.
Primeiramente, as trocas eram motivadas pela necessidade imediata de subsistência. Nesse período, caracterizado pela permuta de mercadorias e pela ausência de moedas como as conhecidas hoje, praticava-se a troca direta. O comércio ainda não estava formalmente estabelecido, pois os produtos eram destinados apenas ao sustento, e as pessoas não cultivavam com o intuito de trocar posteriormente, algo que evoluiria com o tempo.1.
Com o crescimento das comunidades humanas, a economia de subsistência tornou-se insuficiente para suprir as necessidades individuais cada vez mais diversificadas. Não seria desarrazoado afirmar que o comércio pela troca voluntária de produtos e serviços é sintomático efeito da inviabilidade da economia pura de subsistência.
Etimologicamente, a palavra “comércio” vem do latim commercium, que pode ser traduzido como “tráfico de mercadorias”. No sentido original, o termo indica a troca espontânea de mercadorias ou serviços por outros produtos ou valores.2
Ao longo do tempo, o comércio deixou de ser uma economia de troca ou escambo e evoluiu para a economia de mercado ou monetária. O produtor abandona a troca de seus produtos por outros, para negociar diretamente com quem os quer. Passa a vender seus produtos, ganhando dinheiro, para usá-lo como capital em outra rodada de produção. Assim, o produtor pode se especializar em uma única linha de produção ou em linhas de produção específicas, em maior escala e eficiência, na qual tenha mais habilidade ou que lhe traga mais benefício.
O comércio passa a representar importante papel econômico e social, conectando pessoas diferentes, naquilo em que seus interesses convergem, e aproximando nações. Em ação civilizatória intensa, viabilizou a circulação da riqueza produzida, aumentando-lhe a utilidade, fator determinante de paz e de solidariedade.
O comércio é, não somente, a materialização da vida em sociedade, mas também elemento agregador de culturas e propulsor do desenvolvimento científico e tecnológico.
Em conceito mais atual, o comércio corresponde à disponibilização e ao acesso no mercado a produtos e a serviços dos mais diversos, a quem se interessa em adquiri-los, em contrapartida a um pagamento.3 4
Quando o comércio começa a retratar atividade executada com evidentes fins lucrativos,5 sob a perspectiva jurídica, sua caracterização passa a englobar os seguintes elementos essenciais: mediação, fim lucrativo e profissionalidade (habitualidade ou continuidade).6
Para incrementar os resultados dos negócios em larga escala, a riqueza produzida é levada a locais nos quais, se escassa ou inexistente, adquire maior utilidade, ou é mais desejável, e, como resultado, maior valor.
Em termos práticos, para desenvolver a atividade de comercialização de produtos em sistemática operacional de larga escala, o comerciante adquire ou produz os bens para revendê-los a outro comerciante (atacado), ao próprio consumidor (varejo) ou a ambos (atacarejo).
A compra e venda mercantil, seja entre comerciante e produtor, seja entre produtor e consumidor, é meio contratual de fornecimento por excelência para se explorar a atividade comercial.
Na medida em que se expande, o comércio deixa de envolver operações pontuais e independentes de venda e compra com fins lucrativos e começa a instrumentalizar operações continuadas de escoamento de mercadorias, através de verdadeiras parcerias comerciais.
Os contratos de colaboração nasceram justamente no contexto de instrumentalização do escoamento de mercadorias.7
Diversos tipos de relações contratuais sofisticadas e de trato continuado foram desenvolvidos no comércio com vistas a fornecer bens ao mercado consumidor, dentre os quais se destacam os contratos de representação comercial, os contratos de distribuição e os contratos de franquia, visto que todos comungam à qualificação de “contratos comerciais de colaboração”.
Os contratos comerciais de colaboração definem-se por obrigação peculiar assumida por um dos contratantes (colaborador ou contratado) perante o outro (fornecedor ou contratante): a de criar ou ampliar em longo prazo o mercado dos produtos ou serviços fabricados ou comercializados pelo fornecedor.
O colaborador, em linhas gerais, obriga-se a fazer investimentos destinados a despertar nos consumidores o hábito de adquirir os produtos ou serviços do fornecedor. Dependendo da espécie de colaboração contratada, os investimentos na criação ou consolidação do mercado são maiores ou menores; a obrigação de realizá-los, contudo, é inerente aos contratos comerciais de colaboração.
Quando não é contratada a obrigação de criar, consolidar ou desenvolver mercado para certo produto ou serviço, o contrato não se classifica como de colaboração. É o caso do fornecimento puro e pontual de mercadorias.
O contrato de colaboração pressupõe, ademais, convergência de interesses entre as partes contratantes, de maneira que, para ocorrer a colaboração, é essencial que os agentes envolvidos tenham interesses alinhados entre si, ao menos em parte. Essa convergência pode envolver objetivos, metas e/ou benefícios mútuos.
O amplo espectro de presença e utilização denota a complexidade e a versatilidade dos contratos de colaboração, os quais podem assumir muitas formas e adaptar-se a diferentes contextos de mercado e necessidades relacionadas a fatores culturais, econômicos, sociais e tecnológicos. Além disso, podem envolver empreendimentos em diversos graus de maturidade de negócios, desde startups, até empresas há muito estabelecidas no mercado.
Os contratos de colaboração são elementos essenciais para coordenar e integrar as atividades envolvidas em parcerias comerciais estratégicas, garantindo eficiência na produção, distribuição e entrega de produtos. São, em outras palavras, importante mecanismo de organização do comércio em contexto atual doméstico e internacional.
Tatiana Dratovsky Sister
Doutora e Mestre em Direito Comercial pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (“PUC/SP”). Especialização lato sensu em Direito Processual Civil pela PUC/SP. Advogada.
Como citar: SISTER, Tatiana Dratovsky. O comércio como origem dos contratos de colaboração . In: AGIRE | Direito Privado em Ação, n.º 159, 2025. Disponível em: <https://agiredireitoprivado.substack.com/p/agire159>. Acesso em DD.MM.AA.
FRAPORTI, Simone; GIACOMELLI, Cinthia L F.; VIERO, Guérula M.; et al. Direito Empresarial I. Porto Alegre: SAGAH, 2018 (ebook), p. 13-15.
“Diz-se que com Renascimento comercial na sociedade da Baixa Idade Média começou-se a exercer uma atividade econômica distinta da atividade que constituía a matriz econômica preponderante da época. Enquanto a maioria da população europeia dedicava-se à atividade agrícola e à prestação de serviços, os comerciantes, que eram em número muito reduzido à época, passaram a desenvolver uma nova profissão, a atividade econômica comercial, cujo significado econômico é evidenciado na própria etimologia da palavra comércio, que deriva do latim commercium, resultante da junção da preposição cum (isto é, com, no sentido de portar, dar continuidade), com o substantivo merx (mercadoria ou produto)” (CAVALLI, Cássio Machado. Direito comercial: passado, presente e futuro. Rio de Janeiro: Elsevier/FGV, 2012, p. 9-10).
“COMÉRCIO. Direito comercial. 1. Soma de atividades econômicas organizadas, praticadas habitualmente, fazendo intermediação entre produtor e consumidor, com a intenção de obter lucro, e facilitando a circulação de riquezas. 2. Atividade exercida por empresários. 3. Classe dos comerciantes ou empresários. 4. É, segundo Geraldo Bezerra de Moura: a) transformação das matérias-primas por meio dos variados tipos de indústria; b) circulação dos produtos ou bens econômicos pela compra e venda, pelo escambo, pelo transporte etc.; c) lugar de troca de bens econômicos em mercados e feiras” (DINIZ, Maria Helena. Dicionário jurídico universitário. 4. ed. São Paulo: Saraiva Educação, 2022 (ebook), p. 120).
“COMÉRCIO. S. m. (Lat. commercium) Dir. Emp. Atividade econômica baseada essencialmente na compra e venda de bens, móveis ou imóveis, com o fito de lucro. Cognatos: comerciar (v.), praticar atos de comércio; comercializar (v.), tornar comerciável, ou negociável; comercial (adj.), relativo ao comércio; comercialidade (s. f.), qualidade de comercial; comerciante (s. 2 g.), quem pratica atos de comércio e disto faz profissão habitual (LCP, 49); comerciário (s. m.), empregado no comércio. CBust, arts. 232-238. Cf. ato de –; mercancia” (SIDOU, J. M. Othon (org.) et al. Dicionário Jurídico. Academia Brasileira de Letras 11. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2016 (ebook), p. 124).
“2. La noción de comercio. Además de los actos de cambio, la actividad comercial supone una interposición entre productores y consumidores. Esta intermediación no es otra cosa que el acercamiento de los bienes del productor al consumidor. Es el comerciante quien pone a disposición de los consumidores los bienes producidos; es él quien realiza los actos de intermediación, contribuyendo de esta suerte a acelerar el proceso de la producción. [...] El comercio puede definirse señalando que se trata de una actividad de intermediación entre productores y consumidores realizada con propósito lucrativo. Vale la pena tener presente que el comercio, en sentido económico, comprende solamente la circulación o distribución de las riquezas, excluyendo el proceso de la producción, en tanto que, en sentido jurídico, la actividad comercial comprende no sólo la distribución o circulación de los productos, sino también su producción misma” (LÓPEZ, Ricardo Sandoval. Derecho comercial. t. I, v. I. 7. ed. Santiago: Jurídica de Chile, 2007, p. 21-22). Tradução livre ao português: “A noção de comércio, além dos atos de troca, envolve uma intersecção entre produtores e consumidores. Essa intermediação nada mais é do que a aproximação dos bens do produtor ao consumidor. É o comerciante que disponibiliza aos consumidores os bens produzidos; é ele que realiza os atos de intermediação, contribuindo assim para acelerar o processo de produção. O comércio pode ser definido como uma atividade de intermediação entre produtores e consumidores realizada com fins lucrativos. É importante lembrar que o comércio, em sentido econômico, compreende apenas a circulação ou distribuição de riquezas, excluindo o processo de produção, enquanto, no sentido jurídico, a atividade comercial inclui não só a distribuição ou circulação dos produtos, mas também a própria produção”.
REQUIÃO, Rubens. Curso de direito comercial. v. 1. 33. ed. atual. por Rubens Edmundo Requião. São Paulo: Saraiva, 2014, p. 28-30.
“Comércio é a atividade de aproximação entre o produtor e o consumidor. Na imagem da cadeia de circulação de mercadorias, no elo inicial está quem se dedica a extrair os dons da natureza (pescador, agricultor, minerador etc.); no final, quem os utiliza, in natura ou industrializados, na satisfação de necessidade material ou imaterial (consumidor); nos elos de ligação da cadeia, estão os exercentes de atividade comercial (a empresa de pesca, agrícola ou industrial, o comerciante atacadista ou retalhista etc.). [...] A aproximação entre o produtor e o consumidor é feita pelo comércio, em princípio, por meio de uma sucessão de contratos de compra e venda; porém, paulatinamente alguns outros instrumentos contratuais foram desenvolvidos com o objetivo de estabilizar relações negociais, ampliar vendas, garantir a presença da marca em mercados distantes em relação ao lugar da unidade produtiva, racionalizando e otimizando o escoamento das mercadorias. [...] Os contratos de colaboração inserem-se nesse contexto de instrumentalização do escoamento de mercadorias” (COELHO, Fábio Ulhoa. Curso de direito comercial, v. 3: direito de empresa: contratos, falência e recuperação de empresas. 18. ed. São Paulo: Thomson Reuters Brasil, 2018, p. 103).