# 39. Satisfação das exigências ao fechamento em operações de M&A
por Fernanda Mynarski Martins-Costa
Particularizam-se as operações de M&A por serem operações complexas, não sendo, muitas vezes, suscetíveis de concretização imediata, por simples atos volitivos das partes, pois podem estar sujeitas à ocorrência de diversos fatos e atos. Pense-se na necessidade de autorização de autoridade pública (ex., autorização do CADE), ou a obtenção pelo comprador de financiamento para fazer frente ao vultoso pagamento da operação.
Não é incomum, por esta razão, que os figurantes utilizem a técnica de diferimento temporal: por essa via, promovem a segregação entre o momento da celebração do contrato (assinatura) e o do adimplemento da prestação principal (fechamento)1. Estipulam, assim, as partes que as prestações principais só serão plenamente exigíveis se determinadas exigências forem satisfeitas até a data do fechamento.
Como o transcurso do tempo implica riscos, os contratantes não só elegem a ocorrências de determinadas situações de fato a se verificarem potencialmente até a realização do fechamento, mas também estipulam uma normativa convencional. Esta, em conjunto com a normativa legal, regula os riscos próprios da dilatação temporal da operação, que, essencialmente, visa a manter as premissas fáticas e jurídicas determinantes da relação de equivalência entre as prestações no momento da assinatura. Ambas configuram as chamadas “condições precedentes”2.
A produção dos efeitos obrigacionais típicos do negócio (fechamento em sentido estrito) só poderá ocorrer se verificadas as satisfações de todas as exigências ao fechamento (fechamento em sentido amplo). Não se trata de procedimento simples, bastando pensar na nem sempre fácil constatação da efetiva realização fática de tais exigências. Compreende-se, assim, a razão de ser da eleição de exigências como “condições precedentes”. Essas têm por finalidade justamente lidar com as incertezas da ocorrência, ou não, dos fatos e atos necessários ao fechamento. A equação, portanto, consiste: a obrigação será exigível se x ocorrer até a data y. Neste momento, dissipa-se a incerteza quanto a sua ocorrência, averiguando-se a manutenção do interesse das partes na contratação.
No entanto, nem sempre é possível afirmar-se com precisão plena que determinada situação fática ocorreu no mundo dos fatos. Questiona-se, assim, se é possível pré-determinar critérios para a avaliação da satisfação das exigências no momento do fechamento. A ausência de critérios pode abrir espaço para condutas abusivas de um dos figurantes, como, e.g., quando o comprador se arrepende da aquisição de uma sociedade e, diante da imprecisão irrelevante de uma declaração e garantia, utiliza-a como desculpa para a recusa a proceder ao fechamento.
O primeiro critério será sempre o conteúdo do contrato, justamente “a intenção consubstanciada na declaração”, tal qual determinado pelo art. 112 do Código Civil, interpretando-se globalmente o acordo. Cabe atentar, ainda, ao uso de qualificantes, como o uso da materialidade de determinado evento, falso cognato com o inglês material para designar a substancialidade do evento que venha a atingir o contrato. Nesse aspecto, deve-se ainda lembrar que a interpretação do negócio deve considerar a “racionalidade econômica das partes”, como disposto no inciso V, do §1º do art. 113 do Código Civil, expressão legal que, como bem explica Guilherme Nitschke, deve ser entendida mediante um critério objetivo e não subjetivo – i.e., segundo a racionalidade econômica do contrato3.
O segundo critério será a própria natureza do ato: se ato é meramente burocrático, ou não. Pense-se, nesse sentido, na escolha, como condição, da liberação de garantias prestadas pelo alienante em favor da sociedade-alvo, tendo o documento de extinção sido assinado no período intercalar, mas o cancelamento do registro ainda não tenha sido realizado na data do fechamento. Considerando a natureza de ato meramente burocrático, julgamos que a ausência do cancelamento do registro não impede, prima facie, ao menos, que se verifique a satisfação da exigência ao fechamento4. Note-se que o critério da natureza do ato não é excluído pela ausência do critério da “materialidade” (ou substancialidade). Há diferenças de graus. Por outros termos, a ausência da utilização da qualificante de materialidade não permite que um ato meramente burocrático seja motivador da recusa ao fechamento.
O terceiro critério diz respeito às condições unilaterais, assim compreendidas aquelas que beneficiam determinado contratante. Poder-se-ia alegar que a sua satisfação depende não só de um critério naturalístico, como também de um critério normativo, consistente na satisfação um tanto quanto subjetiva do beneficiário da condição. Por outros termos, o beneficiário é o único incumbido de determinar se a exigência ocorreu no mundo dos fatos? Julgamos que não, muito embora a análise da congruência deva considerar objetivamente o seu interesse na realização fática da exigência – i.e., considerando as premissas negociais e fáticas determinantes para a equivalência das prestações tais quais estipuladas no momento da assinatura.
O cerne para determinar a satisfação das exigências no M&A está nos termos do contrato e no impedimento de condutas oportunistas das partes, tanto para se recusar ao fechamento quanto para forçá-lo em termos destoantes das premissas negociais e fáticas da operação. Um possível caminho a ser discutido seria a nomeação pelos contratantes de terceiro imparcial que tenha a missão de apurar e definir a ocorrência, ou não, da congruência entre a situação fática e a situação exigida pelas partes no contrato. Este terceiro seria “arbitrador” independente, que embora não tenha poder jurisdicional, tem atuação importante para evitar o oportunismo contratual, uma vez que a não observância pelas partes de sua decisão poderá configurar estado de mora.
Fernanda Mynarski Martins-Costa é Doutora em Direito Comercial pela Universidade de São Paulo. Mestre em Direito Civil pela Universidade do Estado do Rio de Janeiro. Sócia do escritório Judith Martins-Costa Advogados.
Seja consentida a remissão a MARTINS-COSTA, Fernanda Mynarski. Execução Diferida dos Contratos de M&A. São Paulo: Almedina, 2022.
Sobre o assunto: GUEDES, Gisela Sampaio da Cruz. AGIRE #20. Entre a assinatura e o fechamento: a importância das chamadas "condições precedentes".
NITSCHKE, Guilherme Carneiro Monteiro. Comentário ao artigo 113 §§1º e 2º do Código Civil: interpretação contratual a partir da Lei de Liberdade Econômica. In: MARTINS-COSTA, Judith; NITSCHKE, Guilherme Carneiro Monteiro (Coord). Direito Privado na Lei da Liberdade Econômica. São Paulo: Almedina, 2022, p. 410-411.
Tratamos deste tópico mais aprofundadamente em MARTINS-COSTA, Fernanda Mynarski. Execução Diferida dos Contratos de M&A. São Paulo: Almedina, 2022, p. 158.