#95. O franqueador tem o dever de informar previamente o candidato a franqueado sobre os custos da arbitragem?
Encerra objeto de viva controvérsia a extensão do dever de informação do franqueador quando inserida cláusula compromissória em minuta de contrato de franquia. Questiona-se, mais especificamente, se o franqueador incorreria em dolo por omissão ao não informar o candidato a franqueado acerca dos custos da arbitragem. Ao que parece, a resposta há de ser negativa.1
Dolo por omissão: o necessário cotejo entre dever de informação e ônus de autoinformação
A configuração do dolo por omissão requer a violação de dever de informar na fase pré-contratual.2 De fato, “o silêncio intencional de uma das partes a respeito de fato ou qualidade que a outra parte haja ignorado” pode perturbar a manifestação de vontade do declarante e viciar o seu consentimento, nos termos do art. 147, CC.3
Não é, contudo, a omissão de qualquer informação que configurará o dolo por omissão. Para que se configure o dolo negativo, é necessário que fosse exigível do declaratário silente que informasse ao declarante aquilo por ele ignorado. E, de acordo com Carlos Konder, só se pode exigir do declarante que forneça “as informações necessárias para a função do negócio (...) que ainda não sejam – ou não devam ser – de conhecimento da outra parte”.4
Como se nota, o dever de informação convive com o ônus de autoinformação, expressão do dever geral de diligência que a todos incumbe para tutela e promoção de interesses próprios. Referido dever não se impõe de maneira uniforme a todos, mas ostenta diferentes graus conforme as circunstâncias do caso concreto, dentre as quais se destacam aquelas relativas aos meios disponíveis para obtenção da informação mediante esforços razoáveis: se é possível ao agente obter a informação adotando esforços razoáveis e padrão médio de diligência, mas não o faz, suportará as consequências adversas da sua conduta negligente.
A delimitação do dever de informação não prescinde, portanto, da análise do ônus de autoinformação. Cuida-se de situações jurídicas subjetivas opostas e complementares, cujas abrangências são dinâmicas e inversamente proporcionais: quanto mais extenso é o dever de informação em determinada relação, mais limitado é o ônus de autoinformação, e vice-versa; quanto mais uma dessas situações jurídicas subjetivas se expande em razão das circunstâncias do caso concreto, mais a outra se retrai, de modo que a informação que está abarcada por uma, não é alcançada pela outra.
Esclarecidas as bases jurídicas, demonstrar-se-á que o dever de informação imposto ao franqueador na fase pré-contratual não abarca o dever de informar sobre os custos relativos à solução de controvérsias via arbitragem. Isso, porque encerra ônus do candidato a franqueado se autoinformar acerca de referidos valores, ainda que o contrato seja celebrado por adesão (sobre a qualificação do contrato de franquia, remete-se o leitor para a AGIRE #91). É o que se conclui a partir da análise da própria Lei de Franquia (Lei nº 13.966/2019).
Escopo do dever de informação na Lei de Franquia
A Lei nº 13.966/2019 estabelece, no art. 2º, amplo rol de informações comerciais, jurídicas e financeiras a serem prestadas pelo franqueador ao candidato a franqueado, todas elas relativas ao negócio. O objetivo da lei é permitir que o candidato obtenha previamente todas as informações relevantes acerca da franquia para que, conhecendo seus riscos e vantagens, possa decidir se deseja celebrar o contrato de forma livre e esclarecida.
Com efeito, não obstante a lei imponha ao franqueador dever de informação qualificado, seu conteúdo é bem delimitado, circunscrevendo-se aos dados relativos à franquia necessários e suficientes para que o candidato tome a sua decisão com conhecimento de causa.
O dever de informação assume, portanto, caráter instrumental: a franqueadora informa o candidato a franqueado para que manifeste o seu consentimento de forma livre e esclarecida.
Ao propósito, salta aos olhos o fato de o art. 7º, § 1º da Lei nº 13.966/2019 prever expressamente a possibilidade de as partes elegerem o juízo arbitral para solução de controvérsias relacionadas ao contrato sem, contudo, atribuir ao franqueador o dever de informar o candidato acerca dos custos nos quais poderá incorrer com o procedimento.
O silêncio é eloquente: não há nada de peculiar ou singular nos custos de arbitragens envolvendo disputas relativas a contratos de franquia que justifique a atribuição ao franqueador de um dever de informá-los ao candidato; houvesse alguma especificidade digna de nota, teria o legislador atribuído ao franqueador mais esse dever de informação, ao lado de todos os outros previstos na lei.
Se assim o é, nada havendo de peculiar ou singular em relação aos custos de arbitragens envolvendo contratos de franquia, aplicam-se as regras gerais relativas à celebração de cláusulas compromissórias, que não impõem a qualquer das partes o dever de informar a contraparte acerca dos custos da solução via arbitragem. Nem mesmo a boa-fé objetiva tem o condão de imputar ao franqueador um tal dever.
Dever de informação e boa-fé objetiva
A extensão da informação imposta pela boa-fé objetiva é determinada a partir da análise concomitante de três categorias de elementos do caso concreto: (i) elementos fático-subjetivos, ligados aos sujeitos envolvidos, a exemplo da efetiva possibilidade de acesso de cada um à informação; (ii) elementos normativos, relativos aos usos do tráfico jurídico, à presença de dever legal de informar etc.; e (iii) elementos fático-objetivos, como a propensão a maior ou menor assunção de riscos de acordo com a natureza da relação.5
Analisando a questão posta à luz dos parâmetros traçados, tem-se que:
elementos fático-subjetivos: conquanto as partes possam não estar exatamente no mesmo patamar em razão do próprio mecanismo de funcionamento do sistema de franquia, os contratos de franquia são, de regra, paritários, e prevalece o princípio da intervenção mínima (art. 421, parágrafo único, CC).6
Ainda que no caso concreto se esteja diante de contrato celebrado por adesão, não se pode perder de vista que o aderente não é consumidor. O aderente é profissional, é empresário em prospecção de negócio, pelo que dele se espera maturidade para atuar no ramo empresarial e grau de diligência compatível com aquela adotada por quem está em vias de realizar investimento em novo projeto. O candidato a franqueado conta com o prazo mínimo de 10 dias para estudar e analisar a Circular de Oferta de Franquia.7 Se, durante a sua análise, verifica a previsão de cláusula compromissória e desconhece seus custos, a conduta que dele se espera como empresário diligente é que busque tais informações, facilmente acessíveis em todos os sítios eletrônicos das instituições que administram procedimentos arbitrais. Mesmo que se trate de arbitragem ad hoc, há diversas fontes de informações que possibilitam ao candidato a franqueado dimensionar seus custos.
elementos normativos: não existe dever legal de informar o candidato a franqueado sobre os custos da arbitragem e tampouco os usos do tráfico empresarial o impõem; e
elementos fático-objetivos: a decisão de celebrar cláusula compromissória, seja no contexto de contrato de franquia ou de qualquer outro tipo contratual, se insere na análise dos custos de transação por cada uma das partes – que deve levar em conta, de um lado, as vantagens oferecidas pela arbitragem e, de outro, os custos (gastos) envolvidos –, e compõe a delicada alocação de riscos contratuais.
Mesmo se o contrato for efetivamente celebrado por adesão, a cláusula compromissória só é eficaz em face do aderente caso com ela consinta expressamente (sobre os fatores de eficácia da cláusula compromissória em face do franqueado quando aderente, confira-se também a AGIRE #91), o que denota que dele se espera que reflita especificamente sobre a solução pela via arbitral, ponderando seus custos com suas vantagens no contexto do contrato de franquia. Se, ao fim dessa análise que se espera de empresário diligente, o candidato a franqueado entender que os riscos e os custos a serem assumidos não se justificam frente às chances de ganhos, é livre para não consentir com a cláusula compromissória e, no limite, para não celebrar o contrato de franquia e buscar outro negócio que melhor atenda a suas expectativas. Não se trata de decisão de consumo; trata-se de decisão empresarial que, também em contratos celebrados por adesão, requer do empresário a análise dos riscos e custos previamente à realização do investimento.
Em conclusão: inexistência do dever de informar acerca dos custos da arbitragem
Por todo o exposto, conclui-se que cabe ao candidato a franqueado se autoinformar acerca dos custos da arbitragem, ainda que o contrato seja celebrado por adesão. Não se pode pretender conferir maior elastério ao dever de informação do que aquele previsto na própria Lei de Franquia e que decorre da boa-fé objetiva, a fim de impor ao franqueador a dação de informação que pode ser facilmente obtida pelo próprio candidato a franqueado, empresário diligente que deve ser. Semelhante postura revelaria, neste aspecto, injustificado paternalismo jurídico, que não deve prevalecer.
Aline de Miranda Valverde Terra
Mestre e Doutora em Direito Civil pela UERJ. Master of Laws em International Dispute Resolution pela Queen Mary University of London.
Professora de Direito Civil da UERJ e da PUC-Rio.
Árbitra e Parecerista.
Como citar: TERRA, Aline de Miranda Valverde. O franqueador tem o dever de informar previamente o candidato a franqueado sobre os custos da arbitragem?. In: AGIRE | Direito Privado em Ação, n.º 95, 2023. Disponível em: <https://agiredireitoprivado.substack.com/p/agire95>. Acesso em DD.MM.AAAA.
BENETTI, Giovana. Dolo no direito civil: uma análise da omissão de informações. São Paulo: Editora Quartier Latin Brasil, 2019, p. 176.
“Art. 147. Nos negócios jurídicos bilaterais, o silêncio intencional de uma das partes a respeito de fato ou qualidade que a outra parte haja ignorado, constitui omissão dolosa, provando-se que sem ela o negócio não se teria celebrado.”
KONDER, Carlos Nelson. Erro, dolo e coação: autonomia e confiança na celebração dos negócios jurídicos. In: TEIXEIRA, Ana Carolina Brochado; RIBEIRO, Gustavo (coord.). Manual de teoria geral do direito civil. Belo Horizonte: Editora Del Rey, 2011, p. 622, grifou-se.
MARTINS-Costa, Judith. A boa-fé no direito privado: critérios para a sua aplicação. São Paulo: Marcial Pons, 2015, p. 535.
“Art. 421, parágrafo único. Nas relações contratuais privadas, prevalecerão o princípio da intervenção mínima e a excepcionalidade da revisão contratual.”
Lei nº 13.966/2019, art. 2º, XXIII, §1º “A Circular de Oferta de Franquia deverá ser entregue ao candidato a franqueado, no mínimo, 10 (dez) dias antes da assinatura do contrato ou pré-contrato de franquia ou, ainda, do pagamento de qualquer tipo de taxa pelo franqueado ao franqueador ou a empresa ou a pessoa ligada a este, salvo no caso de licitação ou pré-qualificação promovida por órgão ou entidade pública, caso em que a Circular de Oferta de Franquia será divulgada logo no início do processo de seleção.”