#120. A polêmica cláusula pro-sandbagging: essa disposição viola ou não a boa-fé objetiva?
A relevância do conhecimento para o Direito repercute em diversos institutos.1 Não à toa, na prática negocial, tornaram-se frequentes cláusulas contratuais que limitam, por assim dizer, os efeitos jurídicos do conhecimento, como a qualificadora “to the best of knowledge”, que ocupou as páginas da AGIRE#92. Agora a questão do conhecimento volta à tona em mais uma dessas cláusulas “importadas” da common law – de todas as que já passaram por aqui, nenhuma é tão polêmica quanto a cláusula pro-sandbagging,2 cuja conformação ao Direito brasileiro desafia a boa-fé objetiva, confrontando diferentes pontos de vista. Afinal, a cláusula pro-sandbagging viola ou não o princípio da boa-fé? – eis a questão em foco nesta AGIRE#120,3 que já aproveita para anunciar que a A.GI.RE estará de férias a partir da próxima semana, retornando em agosto.
Um passo atrás
A cláusula pro-sandbagging, cujo locus é o contrato de compra e venda de participação societária, é a disposição por meio do qual as partes ajustam que o comprador fará jus às consequências contratuais da não veracidade do quanto declarado, independentemente de ter ou não conhecimento prévio de que a informação prestada pelo vendedor no bojo da cláusula de declarações e garantias era falsa.4 A função da cláusula pro-sandbagging, portanto, é tornar o conhecimento prévio do comprador indiferente nesse tipo de situação, alocando inteiramente para o vendedor o risco de prestar informação inexata. Em contraposição a essa disposição, existe também a cláusula anti-sandbagging, que deliberadamente ficará de fora da coluna.5
Exemplos para ilustrar (ou complicar)
Inúmeras disputas surgem exatamente porque, depois do fechamento da operação de aquisição, informações prestadas pelo vendedor se revelam, no todo ou em parte, incompletas, imprecisas ou mesmo falsas. Nessas situações, o vendedor normalmente alega que o problema já era (ou deveria ser) do conhecimento do comprador e, portanto, já foi devidamente “precificado” (ou deveria ter sido, se o comprador não tivesse falhado na due diligence e, portanto, no cumprimento do seu dever de se auto-informar). Essa é a defesa óbvia do vendedor, que, diante de uma cláusula pro-sandbagging, se tornaria completamente inoperante (se a disposição não fosse tão polêmica...).
Tome-se o exemplo da sociedade-alvo que é uma transportadora cujos principais ativos são os veículos que compõem a sua frota.6 O vendedor relata na cláusula de declarações e garantias que todos os veículos se encontram livres e desembaraçados, sem qualquer ônus ou gravame, mas essa informação não é verdadeira, porque três ônibus da frota se encontram empenhados e os respectivos contratos de penhor foram inseridos no data room, acessado inúmeras vezes pelo comprador no período da due diligence. Diante disso, pode o comprador valer-se da cláusula pro-sandbagging para pleitear os remédios previstos no contrato de compra e venda para a violação da cláusula de declarações e garantias? Ou essa conduta viola a boa-fé objetiva, já que, diante da informação descoberta na due diligence, o comprador teria que ter avisado o vendedor de que a tal informação prestada não estava correta?
No exemplo formulado, a cláusula de declarações e garantias enuncia certas características dos ativos que compõem o patrimônio da sociedade-alvo, exercendo, portanto, predominantemente função conformativa. E se a informação falsa constasse não de uma declaração, mas de uma garantia? Suponha-se, por exemplo, uma cláusula de declarações e garantias, cuja função fosse claramente assecuratória e atrelada a remédio indenizatório: o vendedor garante que a sociedade-alvo não tem qualquer passivo ambiental, mas, ainda no curso da due diligence – e, portanto, antes do fechamento –, o comprador descobre por terceiros que a sociedade-alvo tem, sim, passivo ambiental relevante.
Nesse caso, o surgimento da contingência não constitui propriamente inadimplemento, sendo antes o gatilho que dispara a obrigação de garantia e, assim, a cláusula que obriga o alienante, por exemplo, a pagar a soma ali prevista. Diante dessa situação, se o comprador não questionar o vendedor acerca da informação descoberta, permanecendo silente, poderá valer-se depois das consequências contratuais da não veracidade do quanto declarado, protegido que está pela cláusula pro-sandbagging? Faz diferença a informação falsa atingir uma garantia7 (e não apenas uma declaração)? E se o comprador não tivesse descoberto por terceiros, mas, sim, porque a informação era pública, faria alguma diferença? E se tivesse ciência do passivo ambiental porque foi administrador ou consultor (em matéria ambiental) da sociedade-alvo no passado, exatamente no período em que o problema eclodiu?
A relevância da ciência prévia nas aquisições
No Direito brasileiro, embora não haja uma norma geral sobre o tratamento a ser dado ao conhecimento prévio do adquirente, é possível extrair da disciplina dos vícios redibitórios (art. 441, caput, do Código Civil8) e da evicção (art. 457 do Código Civil9) que, via de regra, o adquirente não pode reclamar pelas contingências já conhecidas, mas esses regimes legais são essencialmente dispositivos (vide AGIRE#74).
Além disso, em se tratando de alienação de participação societária, os usos do meio indicam a mesma solução. Ou seja: na ausência de sandbagging provisions, pro ou anti, o adquirente não faz jus à indenização se já tinha conhecimento prévio do problema, porque se entende que contingências conhecidas são desde logo refletidas no preço contratado, que se amolda conforme a negociação das partes. No entanto, nas obrigações de garantia, a presença ou ausência do elemento subjetivo não eximirá o vendedor de responder, porque os remédios contratualmente previstos precisam atuar em conformidade com a função garantista da cláusula (vide AGIRE#92).
O cerne do problema
A cláusula pro-sandbagging tem gerado polêmica, porque parte da doutrina entende que essa disposição não deveria ser admitida no Direito brasileiro por violar a boa-fé objetiva em, pelo menos, dois aspectos:
Por parte do alienante, não seria leal usar a permissão ao sandbagging como espécie de “carta branca” para deixar de informar o comprador sobre a existência de contingências, já que, na presença da cláusula, responderia de qualquer maneira. Na opinião de Giacomo Grezzana, o raciocínio não faz sentido, porque “a cláusula pro-sandbagging não é um salvo-conduto para omissão informativa”.10 O alienante que omite informações tem a sua posição agravada, podendo vir a responder até por dolo. Seja como for, o próprio autor admite que o incentivo para o vendedor fornecer informações diminui, “na medida em que, por disposição contratual (normalmente uma cláusula de sole remedy), o único remédio cabível ao adquirente seja o pagamento de indenização ou reembolso de contingências”.11
Por parte do comprador, violaria a boa-fé objetiva cobrar por contingências sobre as quais já se tem conhecimento antes mesmo do fechamento. Em defesa da cláusula, poder-se-ia argumentar que nada há de desleal nessa conduta, porque a sua pactuação, de per si, já demonstra que o comprador pretendeu deixar claro que deseja se resguardar de possíveis contingências, independentemente do seu conhecimento. No entanto, sobre esse segundo aspecto, Mariana Pargendler explica que o cerne da questão não reside no conhecimento prévio do comprador, o que é admitido pela cláusula pro-sandbagging, mas sim no exercício disfuncional (art. 187 do Código Civil12) do pleito indenizatório em face da ausência de compartilhamento desse conhecimento com o vendedor.13
A cláusula pro-sandbagging na berlinda
Como observam Mariana Pargendler e Carlos Portugal Gouvêa, “[e]mbora os estados dos EUA tenham demonstrado diferentes graus de aceitação ao sandbagging, o reconhecimento dos instituto não é absoluto até mesmo nas jurisdições que lhes são mais favoráveis, como Nova York e Delawere”.14 E, se é assim, a resistência à cláusula pro-sandbagging deveria revelar-se até mais acentuada nos sistemas de tradição romano-germânica,15 que conferem mais relevância não só à culpa como fundamento da responsabilidade contratual, mas também à boa-fé-objetiva como fonte de deveres instrumentais de proteção.
Além disso, embora o vendedor costume ter maior conhecimento – comparativamente ao comprador – sobre a sociedade-alvo e os riscos inerentes ao negócio, pode haver, na prática, uma situação de “assimetria informacional reversa”,16 quando, por exemplo, o comprador integra o bloco de controle que já comandava a sociedade-alvo. Nessas situações, realmente é possível que o comprador tenha até mais conhecimento do que o vendedor. No entanto, embora a observação seja pertinente, a assimetria informacional opera, em geral, em favor do vendedor, e não o contrário – a regra de que o comprador não precisa informar o vendedor sobre a sociedade-alvo comporta exceções muito específicas, normalmente envolvendo relações especiais de confiança, a exemplo do administrador que adquire participação da companhia que administra ou do comprador que já prestou serviços de consultoria para a sociedade-alvo no passado.17
Em defesa da cláusula pro-sandbagging
Por outro lado, também não falta quem defenda a disposição.18 A cláusula pro-sandbagging estimula o vendedor a prestar informações verdadeiras, completas e precisas sobre a sociedade-alvo. No mais das vezes, a assimetria informacional é favorável ao vendedor, que detém a participação societária (por vezes, o controle) da sociedade-alvo cujas ações estão sendo alienadas. Já o comprador, pelo menos quando não tem relação com a sociedade-alvo, costuma apresentar conhecimento reduzido.
Além disso, a cláusula desestimula o vendedor a adotar estratégia conhecida, sobrecarregando o comprador com milhares de documentos na fase de due diligence, apenas para poder alegar depois que este tinha conhecimento de todas as informações atinentes à sociedade-alvo em razão do extenso material posto à sua disposição. A cláusula torna, por isso mesmo, o procedimento de due diligence mais barato e célere, porque retira do comprador o “peso” do dever de se auto-informar. A due diligence, evidentemente, continua sendo necessária, mas não precisará ser feita de forma tão acurada. Para quem entende que a cláusula não afronta o Direito brasileiro, a disposição elimina (ou, pelo menos, reduz) disputas pós-fechamento com fundamento no conhecimento das partes sobre determinado fato ou circunstância e ainda protege o comprador de questões inesperadas que possam ocorrer antes do fechamento da operação.
Nem tanto ao céu, nem tanto ao mar
Agora de volta à questão posta em debate: afinal, essa disposição viola ou não a boa-fé objetiva? A cláusula pro-sandbagging definitivamente não pode ser usada como espécie de “super trunfo”, especialmente em situações de “assimetria informacional reversa”. No entanto, também não se deve condená-la de antemão. Isso, porque, dependendo da situação concreta, a cláusula não necessariamente “esbarrará” na boa-fé objetiva.
É possível, por exemplo, que no período intermitente o comprador tenha apenas dúvidas sobre a veracidade das declarações prestadas pelo vendedor. Nessa hipótese, “será ainda mais controverso o impacto dessa informação incompleta sobre os deveres das partes, e até mesmo a caracterização da conduta de uma e de outra como de boa ou má-fé”.19 O comprador pode até ter tentado esclarecer a questão com o vendedor, que, por sua vez, não conseguiu detalhar a informação prestada naquele momento e, para não perder o timing do negócio, preferiu simplesmente acatar a sugestão do comprador de incluir no contrato a cláusula pro-sandbagging.
Da mesma forma, pode acontecer de ambas as partes terem pleno conhecimento de que a informação prestada era falsa, mas preferirem resolver a celeuma com a inclusão da cláusula pro-sandbagging para evitar “desconforto”. Contanto que não haja repercussão na esfera jurídica de terceiros, em princípio a cláusula há de ser respeitada.20
Se o vendedor tem conhecimento de que sua declaração é falsa, mas o comprador não: nesse caso, como a tendência é que o vendedor venha a responder por dolo, a disposição não deveria provocar tantos questionamentos.
Agora se o vendedor realmente não sabe que prestou uma declaração falsa, mas o comprador teve conhecimento da contingência antes do fechamento e permaneceu silente, importa investigar, em primeiro lugar, se a cláusula de declarações e garantias cumpre função assecuratória (se a resposta for positiva, em rigor o vendedor deveria responder, independentemente de ter conhecimento ou não). Em segundo lugar, pode fazer diferença examinar a prova do conhecimento que o comprador tinha a respeito da declaração falsa, para entender quem realmente teve acesso à referida informação e como esta lhe foi transmitida.21
Enfim, essas nuances e a própria redação da cláusula podem fazer diferença na hora de se analisar se o exercício do direito de pleitear a indenização prevista no contrato está sendo exercido de forma abusiva e disfuncional. Sem dúvida, a cláusula pro-sandbagging desafia o Direito brasileiro em muitos aspectos e, talvez por isso, o tema seja tão interessante. E já que a AGIRE#92, que também se ocupou do conhecimento, começou com uma frase de Oscar Wilde (“O conhecimento pode ser fatal”), a AGIRE#120 agora encerra com ele: “É a incerteza que nos fascina. Tudo é maravilhoso entre brumas”. Até agosto!
Gisela Sampaio da Cruz Guedes
Professora Associada de Direito Civil da UERJ. Coordenadora do PPGD-UERJ. Doutora e mestre em Direito Civil pela UERJ. Diretora de arbitragem do Centro Brasileiro de Mediação e Arbitragem – CBMA. Advogada, parecerista e árbitra.
Como citar: GUEDES, Gisela Sampaio da Cruz. A polêmica cláusula pro-sandbagging: essa disposição viola ou não a boa-fé objetiva? In: AGIRE | Direito Privado em Ação, n.º 120, 2024. Disponível em: <https://agiredireitoprivado.substack.com/p/agire120>. Acesso em DD.MM.AA.
A exemplo do erro (art. 138 do Código Civil), do dolo (art. 145 do Código Civil), dos vícios redibitórios (art. 441 do Código Civil) e da evicção (art. 447 do Código Civil).
No campo desportivo o termo sandbagging é frequentemente utilizado: no golfe, para se referir ao jogador que finge ser pior do que realmente é, com o propósito de tentar obter vantagem sobre seus oponentes; no pôquer, é associado à estratégia do jogador que finge estar com uma “mão ruim” apenas para aumentar suas chances de vitória.
A autora teve o prazer de participar, ao lado do Professor Gustavo Favero Vaughn, de reunião mensal do CJA/CBMA em que o tema foi objeto de debate profícuo.
Segue um exemplo de cláusula pro-sandbagging: “The rights of the Purchaser to indemnification or any other remedy under this Agreement shall not be impacted or limited by any knowledge that the Purchaser may have acquired, or could have acquired, whether before or after the closing date, nor by any investigation or diligence by the Purchaser. The Seller hereby acknowledges that, regardless of any investigation made (or not made) by or on behalf of the Purchaser, and regardless of the results of any such investigation, the Purchaser has entered into this transaction in express reliance upon the representations and warranties of the Seller made in this Agreement”.
Ao lado da cláusula pro-sandbagging, há também a anti-sandbagging, por meio da qual o comprador acorda afastar o seu direito de pleitear indenização em relação às informações prestadas pelo vendedor sobre as quais já tinha conhecimento prévio da sua inexatidão. O objeto da coluna é mais recortado: aqui não se pretende tratar da anti-sandbagging, mas apenas da pro-sandbagging, até porque, como mostra pesquisa empírica realizada pela American Bar Association – ABA, “as cláusulas anti-sandbagging nesses últimos dez anos não apareceram em 10% dos contratos de M&A celebrados” (KALANSKY, Daniel; SANCHEZ, Rafael Biondi. “Sandbagging clauses nas operações de fusões e aquisições (M&A)”. In: BARBOSA, Henrique; BOTREL, Sérgio. Novos temas de Direito e Corporate Finance. São Paulo: Quartier Latin, 2019, p. 148).
O exemplo foi extraído (e adaptado) do texto: KALANSKY, Daniel; SANCHEZ, Rafael Biondi. “Sandbagging clauses nas operações de fusões e aquisições (M&A)”, cit., p. 14.
De fato, como observa Caio Raphael Marotti de Oliveira, “as cláusulas pro-sandbagging podem produzir efeitos apenas com relação às obrigações de garantia, ou quando as cláusulas de declarações e garantias se tratam de mero suporte fático para consequências contratuais específicas” (A cláusula pro-sandbagging (conhecimento prévio) em contratos de alienação de participação acionária. Dissertação de Mestrado defendida perante a Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo, sob orientação da Professora Doutora Juliana Krueger Pela, São Paulo, 2020, p. 196).
“Art. 441. A coisa recebida em virtude de contrato comutativo pode ser enjeitada por vícios ou defeitos ocultos, que a tornem imprópria ao uso a que é destinada, ou lhe diminuam o valor”.
“Art. 457. Não pode o adquirente demandar pela evicção, se sabia que a coisa era alheia ou litigiosa”.
GREZZANA, Giacomo. “Cláusula de irrelevância da ciência prévia do adquirente sobre contingências da sociedade-alvo em alienações de participação societária (cláusula de irrelevância da ciência prévia – ‘sandbagging provisions’)”, Revista de Direito das Sociedades e dos Valores Mobiliários - RDSVM, v. 11, pp. 105-132, São Paulo: Almedina, maio/2020, p. 120.
GREZZANA, Giacomo. “Cláusula de irrelevância da ciência prévia do adquirente sobre contingências da sociedade-alvo em alienações de participação societária (cláusula de irrelevância da ciência prévia – ‘sandbagging provisions’)”, cit., p. 121.
“Art. 187. Também comete ato ilícito o titular de um direito que, ao exercê-lo, excede manifestamente os limites impostos pelo seu fim econômico ou social, pela boa-fé ou pelos bons costumes”.
PARGENDLER, Mariana. Parecer não publicado, proferido em 1º de março de 2021.
PARGENDLER, Mariana; GOUVÊA, Carlos Portugal. “As diferenças entre declarações e garantias e o efeito do conhecimento”. In: CASTRO, Rodrigo Rocha Monteiro de.; AZEVEDO, Luis André; HENRIQUES, Marcus de Freitas. Direito societário, mercado de capitais, arbitragem e outros temas: homenagem a Nelson Eizirik, v. 3, São Paulo: Quartier Latin, 2021, p. 165.
Exatamente por isso, em Portugal, Catarina Monteiro Pires entende que, embora lícita como manifestação legítima da autonomia privada, o comprador não pode exercer o direito decorrente da cláusula pro-sandbagging de forma disfuncional e abusiva (Aquisição de empresas e participações societárias. Coimbra: Almedina, 2018, pp. 80-81).
PARGENDLER, Mariana. Parecer não publicado, proferido em 1º de março de 2021.
OLIVEIRA, Caio Raphael Marotti de. A cláusula pro-sandbagging (conhecimento prévio) em contratos de alienação de participação acionária, cit., p. 197.
Para Giacomo Grezzana, “não há óbices à sua adoção no direito brasileiro por violação à boa-fé, vez que não configura comportamento desleal de qualquer das partes. A cláusula não elimina nem diminui a responsabilidade do alienante por informações falsas, sendo lícito ao adquirente celebrar o negócio até mesmo sem possuir informação alguma sobre a sociedade-alvo. E também não há conduta desleal do adquirente, se deixa expresso que não aceita a participação societária com as contingências e pretende cobrá-las em momento futuro – o que se tem é uma simples alocação de riscos e fluxo de pagamento no tempo” (“Cláusula de irrelevância da ciência prévia do adquirente sobre contingências da sociedade-alvo em alienações de participação societária (cláusula de irrelevância da ciência prévia – ‘sandbagging provisions’)”, cit., p. 131). No mesmo sentido: “Ambas as cláusulas, pro e anti-sandbagging, são, a nosso ver, válidas, de maneira geral, à luz do direito brasileiro, lidando apenas com direitos disponíveis” (TRINDADE, Marcelo. “Sandbagging e as falsas declarações em alienações empresariais”. In: CASTRO, Rodrigo Rocha Monteiro de.; AZEVEDO, Luis André; HENRIQUES, Marcus de Freitas. Direito societário, mercado de capitais, arbitragem e outros temas: homenagem a Nelson Eizirik, v. 3, São Paulo: Quartier Latin, 2021, p. 97).
TRINDADE, Marcelo. “Sandbagging e as falsas declarações em alienações empresariais”, cit., p. 95.
No caso de dolo recíproco, a solução legal, no Direito brasileiro, é a de que nenhuma das partes poderá alegá-lo para anular o negócio, ou reclamar indenização (art. 150 do Código Civil), mas essa é a solução legal, atinente ao dolo.
KALANSKY, Daniel; SANCHEZ, Rafael Biondi. “Sandbagging clauses nas operações de fusões e aquisições (M&A)”, cit., p. 152.