#129. Juros moratórios legais (agora à luz da Lei n.º 14.905/24 e da Resolução CMN n.º 5.171/24)
Em 28 de junho de 2024, a “saga dos juros”1 moratórios legais ganhou mais um episódio com o advento da Lei n.º 14.905, que alterou o Código Civil para tratar não só de juros, mas também de correção monetária (ambos os temas já bateram ponto por aqui: AGIRE#40, AGIRE#58 e AGIRE#71). A coluna de hoje se debruça sobre a nova lei, que alterou o art. 406 do Código Civil, alvo de controvérsia já histórica, que perdura há mais de duas décadas, envolvendo matéria de ordem pública.2 Agora, não só ao abrigo da jurisprudência do STJ, mas também sob os auspícios da Lei n.º 14.905/24, a Selic se consolida como a taxa a ser utilizada na fixação dos juros moratórios legais, mas a pergunta que se impõe é: será que a saga dos juros moratórios finalmente chegou ao fim?
A origem
... da saga é bem conhecida e, por isso mesmo, dispensa explicações prolixas: a redação anterior do art. 406 estabelecia como taxa supletiva de juros moratórios a “que estiver em vigor para a mora do pagamento de impostos devidos à Fazenda Nacional”. Desde a entrada em vigor do Código Civil, a taxa utilizada para a mora no pagamento de impostos devidos à Fazenda Nacional é a Selic. No entanto, a dúvida surgiu porque a referência expressa à legislação tributária dava margem para que se recorresse também ao art. 161, §1º, do Código Tributário Nacional (“CTN”), que fixa a taxa de 1% ao mês, mas a verdade é que o arcabouço normativo sempre foi bem mais complexo do que isso (diversas outras leis faziam referência à Selic3).
Guerra nas estrelas (ou na jurisprudência)
Desde a entrada em vigor do Código Civil, a comunidade jurídica vem assistindo, meio atônita, a uma verdadeira guerra de trincheira em curso na jurisprudência sobre a taxa aplicável aos juros moratórios legais. O “estado da arte” da jurisprudência brasileira pré-Lei n.º 14.905/24 era o seguinte: enquanto quase todos os tribunais de 2ª instância do país aplicavam, majoritariamente, o art. 161, §1º, do CTN, o STJ reformava a maior parte das decisões em prol da Selic.4 Apesar disso, o próprio STJ reconhecia, inclusive em sede de Recurso Especial julgado sob a sistemática dos recursos repetitivos, que a taxa Selic englobava “índice de correção monetária e de juros de mora”,5 além de possuir “forte viés político que interfere na inflação para o futuro, ao invés de refleti-la, sempre em vista uma análise do mercado relativa ao período anterior e projeção para os meses futuros, em consonância também com as metas governamentais”.6
Contra a taxa Selic
Em meio a essa guerra, é importante recordar os principais argumentos contra a utilização da taxa Selic para que se possa destrinchar (e, assim, compreender) a lógica por trás da solução proposta pela Lei n.º 14.905/24:7
1. A vinculação entre taxa Selic e correção monetária “denota problema de difícil superação na sua utilização como taxa legal de juros de mora do art. 406 do Código Civil”.8 Isso, porque o referido dispositivo trata apenas dos juros de mora, sem qualquer alusão à correção monetária, e o próprio Código Civil confere autonomia dogmática entre esses dois institutos.
2. Por embutir correção monetária, a taxa Selic acaba não sendo operacional, porque o termo inicial dos juros de mora nem sempre coincide com o da correção monetária.9 Basta pensar, por exemplo, nas indenizações decorrentes de danos extrapatrimoniais, que são obrigações ilíquidas. Em se tratando de responsabilidade extracontratual, os juros de mora contam-se a partir do momento em que se praticou o ilícito (art. 398, CC), conforme evidencia o Enunciado da Súmula 54 do STJ.10 Já “a correção monetária do valor da indenização do dano moral incide desde a data do arbitramento”, nos termos do Enunciado da Súmula 362 do STJ, já que “no momento da fixação do quantum indenizatório, o magistrado leva em consideração a expressão atual de valor da moeda”,11 de modo que não faria sentido a correção monetária incidir antes.12
3. Embora abarque correção monetária, a Selic “é taxa que não necessariamente reflete, com perfeição, o somatório de juros moratórios e a real depreciação da moeda, a qual a correção monetária visa a recompor, notadamente pelos índices de inflação medida em determinado período”.13
4. Na sua redação original, o art. 1.336, §1º, do Código Civil estabelecia que “o condômino que não pagar a sua contribuição ficará sujeito aos juros moratórios convencionados ou, não sendo previstos, os de 1% ao mês e multa de até 2% sobre o débito”, então faria sentido o art. 406 também adotar 1%.
5. Por fim, ainda contra a Selic, havia uma série de argumentos mais genéricos, considerando tratar-se de uma taxa flutuante e pós-fixada que varia muito,14 o que, em momentos de baixa, poderia acabar estimulando o inadimplemento, especialmente por não poder ser cumulada com correção monetária.
A solução proposta pela Lei n.º 14.905/24
Considerando todos os argumentos desenvolvidos contra a utilização da taxa Selic para os juros moratórios legais, a solução da Lei n.º 14.905/24 foi essencialmente a de alterar o Código Civil para estabelecer expressamente a Selic no art. 406, expurgando da taxa a correção monetária nela embutida. Em resumo, a Lei n.º 14.905/24 previu o seguinte:
1. Os juros legais se aplicam “[q]uando não forem convencionados, ou quando o forem sem taxa estipulada, ou quando provierem de determinação da lei” (art. 406, caput, CC). A taxa dos juros moratórios legal é a Selic, deduzida do IPCA, apurado pelo IBGE, ou do índice que vier a substituí-lo (art. 406, §1º, CC).15
2. A metodologia de cálculo da taxa legal e sua forma de aplicação serão definidas pelo Conselho Monetário Nacional (“CMN”) e divulgadas pelo BACEN (art. 406, §2º, CC).
3. Na hipótese de a taxa legal apresentar resultado negativo, este será considerado igual a zero para efeito de cálculo dos juros no período de referência (art. 406, §3º, CC).
4. Caso o índice de atualização monetária não tenha sido convencionado ou não esteja previsto em lei específica, será aplicada a variação do IPCA, ou do índice que vier a substituí-lo (art. 389, parágrafo único, CC).
5. Diversos artigos do Código Civil ganham nova redação, a fim de reforçar a autonomia dogmática entre juros e correção monetária (arts. 389, 395, 404, 418 e 772).
6. Destinando-se o mútuo a fins econômicos, presumem-se devidos juros remuneratórios, mas, se a taxa não tiver sido estipulada, aplica-se a taxa legal prevista no art. 406 do Código Civil, isto é, a Selic subtraída do IPCA ou do índice que vier a substituí-lo (art. 591, CC).
7. O §1º do art. 1.336 do Código Civil é alterado para passar a prever que “[o]condômino que não pagar a sua contribuição ficará sujeito à correção monetária e aos juros moratórios convencionados ou, não sendo previstos, aos juros estabelecidos no art. 406 deste Código, bem como à multa de até 2% (dois por cento) sobre o débito”, tornando a sua redação harmônica com a do art. 406.
8. Para reafirmar a vigência, ainda que limitada, da Lei da Usura e sua compatibilidade com o Código Civil, a Lei n.º 14.905/24 determinou que a Lei da Usura não se aplica às obrigações: (i) contratadas entre pessoas jurídicas; (ii) representadas por títulos de crédito ou valores mobiliários; (iii) contraídas perante: a) instituições financeiras e demais instituições autorizadas a funcionar pelo Banco Central do Brasil; b) fundos ou clubes de investimento; c) sociedades de arrendamento mercantil e empresas simples de crédito; d) organizações da sociedade civil de interesse público de que trata a Lei nº 9.790, de 23 de março de 1999, que se dedicam à concessão de crédito; ou (iv) realizadas nos mercados financeiro, de capitais ou de valores mobiliários.
9. O BACEN disponibilizará aplicação interativa (ufa!), de acesso público, que calculará a taxa dos juros moratórios legais (art. 4º da Lei n.º 14.905/24). Trata-se da “calculadora-cidadão”.
As lacunas deixadas pela Lei n.º 14.905/24
A Lei n.º 14.905/24 atribuiu ao CMN a competência para regular “a metodologia de cálculo da taxa legal e sua forma de aplicação”. Com isso, o legislador deixou em aberto duas questões importantes: (a) a primeira refere-se à forma de atualização monetária do valor da dívida, que pode ser calculada de modo “cumulado” ou “separado”;16 e (b) a segunda é se a Selic a ser utilizada será a mesma aplicada à dívida pública do governo, orientada por decisões do COPOM, ou, na linha dos precedentes mais recentes do STJ, se será utilizada a Selic com capitalização simples. Em texto publicado no portal da FGV, Bruno Meyerhof Salama e Alberto L. Barbosa Junior explicam, com exemplos práticos, que esses dois fatores combinados poderiam dar origem a quatro cenários diferentes.17 Segundo os autores, em comparação com a posição mais recente do STJ, sob qualquer critério, a nova redação do art. 406 aumentaria os acréscimos sobre a obrigação, reduzindo, assim, o espaço de oportunismo por parte de devedores solventes, mas “a magnitude dos acréscimos da mora no tempo” ficou a cargo do CMN.18
A Resolução CMN n.º 5.171/24
Em 29 de agosto de 2024 veio a público a Resolução CMN n.º 5.171, trazendo para a discussão um conjunto de fórmulas complexas. Nenhum dos quatro cenários anteriormente aventados foi adotado exatamente como previsto. Em relação à correção monetária, a Resolução CMN n.º 5.171 determinou, em seu art. 7º, apenas que, “caso haja previsão de atualização monetária sobre o valor a ser reajustado pela taxa legal, o reajuste deve ser feito com base no valor atualizado monetariamente”. Já quanto aos juros, pelo menos duas críticas já lhe foram dirigidas:19
1. Frente ao dilema entre juros simples e juros compostos, a Resolução CMN n.º 5.171/2024 parece ter ficado no meio do caminho.20 Para computar a taxa mensal, a Resolução CMN n.º 5.171/2024 partiu de uma taxa diária, calculada da mesma forma como se calculam os juros compostos, multiplicando-a pelo número de dias úteis do mês. Por outro lado, o art. 6º estabeleceu que “o regime de juros simples se aplica à taxa legal para fins de acumulação de taxas mensais e de apuração de juros proporcionais (fração pro rata)”. Como a taxa diária, calculada na fórmula de juros compostos, é nominalmente menor do que a taxa diária dos juros simples, a soma das taxas mensais segundo o critério de juros simples, como impõe a Resolução 5.171/2024, será ligeiramente menor do que a taxa Selic anual.
2. De acordo com a fórmula estabelecida pelo artigo 2º da Resolução CMN n.º 5.171/2024, a taxa legal do mês de referência é apurada pela divisão do Fator Selic pelo Fator IPCA, ambos do mês anterior. Embora isso pareça estar em conformidade com o que previu o legislador, o inciso III refere-se também ao IPCA-15. Como é fácil notar, o CMN inseriu no cálculo um índice diferente (IPCA-15) daquele que foi determinado pelo legislador (IPCA). Provavelmente, essa foi a solução prática que o CMN encontrou para viabilizar o cálculo da taxa legal nos primeiros dias de cada mês. Isso, porque o IPCA é divulgado apenas quando já passados alguns dias do mês seguinte ao mês pesquisado, ao passo que o IPCA-15 é divulgado antes da virada do mês. Apesar de a diferença ser pequena e o calendário de divulgação do IPCA-15 facilitar o cálculo, o fato é que se trata de índice diverso daquele definido pelo legislador.
A saga continua?
Ao que parece, em comparação com a posição mais recente do STJ, a metodologia adotada pela Resolução CMN n.º 5.17, de fato, aumenta pouco os acréscimos sobre a obrigação. No cenário atual da economia, se o devedor aplicar no tesouro direto, continuará valendo a pena inadimplir, mas isso sem contar com os honorários advocatícios e com o custo reputacional de manter a dívida rolando. Colocando tudo na conta, talvez não compense, mas é certo que no momento os juros moratórios legais estão longe de ser a oitava maravilha do mundo (pelo menos não aos olhos do credor).21 Como o Direito brasileiro não é para amadores, por ora talvez seja melhor emprestar apenas abraços (e cobrar com juros compostos!). Ou, como diria Benjamin Franklin, investir em conhecimento, que sempre paga os melhores juros.
Gisela Sampaio da Cruz Guedes
Professora Associada de Direito Civil da UERJ. Coordenadora do PPGD-UERJ. Doutora e mestre em Direito Civil pela UERJ. Diretora de arbitragem do Centro Brasileiro de Mediação e Arbitragem – CBMA. Advogada, parecerista e árbitra.
Como citar: GUEDES, Gisela Sampaio da Cruz. Juros moratórios legais (agora à luz da Lei n.º 14.905/24 e da Resolução CMN n.º 5.171). In: AGIRE | Direito Privado em Ação, n.º 129, 2024. Disponível em: <https://agiredireitoprivado.substack.com/p/agire129>. Acesso em DD.MM.AA.
A expressão é de STEINER, Renata. “Taxa legal de juros no Brasil: a saga continua”. Disponível em: <https://www.migalhas.com.br/coluna/migalhas-de-responsabilidade-civil/347387/taxa-legal-de-juros-no-brasil-a-saga-continua>. Acesso em 29.09.2024.
Conforme entendimento do STJ: “Não se desconhece a natureza de questão de ordem pública dos juros legais, conforme entendimento pacífico dessa Corte” (STJ, 2ª T., REsp. 1.783.281/PE, Rel. Min. Og Fernandes, j. 22.10.2019). No mesmo sentido: STJ, 1ªT. AgInt no AREsp 1.219.767/SP, Rel. Min. Gurgel de Faria, j. 03.03.2020; STJ, 1ªT., AgInt no REsp. 1.663.981/RJ, Rel. Min. Gurgel de Faria, j. 14.10.2019; STJ, 2ª T., REsp 1.666.244/SP, Rel. Min. Herman Benjamin, j. 06.06.2017; STJ, Corte Especial, REsp 1.112.524/DF, Rel. Min. Luiz Fux, Corte Especial, j. 01.09.2010.
A exemplo da Lei n.º 8.891/95, da Lei n.º 9.065/95, da Lei n.º 9.250/95, da Lei n.º 9.430/96 e da Lei n.º 10.522/2002. No entanto, cabe aqui uma observação interessante, extraída do memorial apresentado pelo Instituto Brasileiro de Direito Civil – IBDCivil no julgamento do REsp. n.º 1.081.149/RS: embora as referidas leis tenham optado pela Selic como fator de juros e correção monetária dos créditos tributários, todas elas cuidaram de estabelecer também a taxa de 1% ao mês como taxa de juros moratórios, ainda que residualmente, a incidir no mês do pagamento da dívida vencida. Veja-se, por exemplo, o art. 30 da Lei n.º 10.522/2002: “Em relação aos débitos referidos no art. 29, bem como aos inscritos em Dívida Ativa da União, passam a incidir, a partir de 1º de janeiro de 1997, juros de mora equivalentes à taxa referencial do Sistema Especial de Liquidação e de Custódia – Selic para títulos federais, acumulada mensalmente, até o último dia do mês anterior ao do pagamento, e de 1% (um por cento) no mês de pagamento”.
Como se depreende de acórdãos proferidos pelas Corte Especial e pela 2ª Seção: STJ, CE, EREsp 727.842/SP, Rel. Min. Teori Albino Zavascki, j. 8.9.2008; STJ, 2ª Seção, EDcl no REsp 1.025.298/RS, Rel. p/ Acórdão Min. Luis Felipe Salomão, j. 28.11.2012.
STJ, 1ª Seção, REsp 1.073.846/SP, Rel. Min. Luiz Fux, j. 25.11.2009. No mesmo sentido: STJ, 1ª Seção, MS 17.511/DF, Rel. Min. Napoleão Nunes Maia Filho, j. 24.9.2014; STJ, 2ª Seção, EDcl no REsp 1.025.298/RS, Rel. p/ Acórdão Min. Luis Felipe Salomão, j. 28.11.2012; STJ, 1ª T., AgInt no REsp 1.551.418/SC, Rel. Min. Napoleão Nunes Maia Filho, j. 14.10.2019; STJ, 2ª T., AgInt no REsp 1.845.417/SC, Rel. Min. Mauro Campbell Marques, j. 22.4.2020; STJ, 3ª T., REsp 1.403.005/MG, Rel. Min. Paulo de Tarso Sanseverino, j. 6.4.2017; STJ, 4ª T., AgInt nos EDcl no REsp 1.518.445/SP, Rel. Min. Raul Araújo, j. 14.5.2019.
STJ, 2ª Seção, EDcl no REsp 1.025.298/RS, Rel. p/ Acórdão Min. Luis Felipe Salomão, j. 28.11.2012.
Para uma visão geral dos argumentos contrários a utilização do art. 161, §1º, do CTN para os juros moratórios legais, recomenda-se a leitura do memorial elaborado pelo Bichara Advogados, representando a Confederação Nacional das Empresas de Seguros Gerais, Previdência Privada e Vida, Saúde Suplementar e Capitalização como amicus curiae, no julgamento do REsp. nº 1.081.149/RS.
Memorial apresentado pelo Instituto Brasileiro de Direito Civil – IBDCivil no julgamento do REsp. n.º 1.081.149/RS, como amicus curiae, subscrito por João Quinelato, Rodrigo da Guia Silva e Francisco Viégas.
Exatamente por isso, aliás, em julgamentos relativamente recentes, o próprio STJ propôs regimes diferenciados de juros moratórios e de correção monetária a depender da fluência conjunta ou isolada de tais fatores. No julgamento do REsp. nº. 1.518.445/SP, por exemplo, verificando que no caso concreto os juros moratórios teriam fluência desde o evento danoso e que a correção monetária incidiria apenas a partir do arbitramento da indenização, a 4ª Turma concluiu que a contagem dos juros deveria observar o percentual de 1% ao mês até a data do arbitramento, após o que incidiria a taxa Selic (STJ, 4ª T., AgInt nos EDcl no REsp 1.518.445/SP, Rel. Min. Raul Araújo, j. 14.5.2019). Em sentido semelhante: STJ, 3ª T., REsp 1.748.624/AM, Rel. Min. Paulo de Tarso Sanseverino, j. 10.12.2019.
Enunciado da Súmula 54 do STJ: “Os juros moratórios fluem a partir do evento danoso, em caso de responsabilidade extracontratual”. No entanto, mesmo após a aprovação do Enunciado da Súmula 54 do STJ, a controvérsia quanto à fixação do termo inicial dos juros de mora nas obrigações de compensação por dano moral voltou a ser objeto de divergência na 2ª Seção do STJ. Em 2011, a 4ª Turma do STJ decidiu, por maioria, no julgamento do REsp. 903.258/RS, que, “em se tratando de indenização por dano moral, os juros moratórios devem fluir, assim como a correção monetária, a partir da data do julgamento em que foi arbitrado em definitivo o valor da indenização” (STJ, 4ª T., REsp. 903.258/RS, Rel. Min. Isabel Gallotti, j. 21.06.2011).
STJ, 1ª T., REsp 657.026/SE, Rel. Min. Teori Albino Zavascki, j. 21.9.2004.
Aqui há apenas um ponto de atenção. Embora o Enunciado da Súmula 362 permaneça inalterado, diante do disposto no art. 292, inciso V, do CPC, que passou a exigir a indicação do valor pretendido a título de dano moral pelo demandante, afastando, assim, a possibilidade de pedidos genéricos, caso o julgador defira integralmente o pedido de condenação por dano moral exatamente no montante pretendido pelo autor, abre-se, em tese, a possibilidade de o magistrado determinar a atualização do valor indicado na petição inicial ou na reconvenção a partir da formulação do pedido, se o adotar para fins de arbitramento do efetivo valor do dano. Afinal, a correção monetária está compreendida no pedido, nos termos do art. 322, §1º, do CPC: “Compreendem-se no principal os juros legais, a correção monetária e as verbas de sucumbência, inclusive os honorários advocatícios”.
STJ, 2ª Seção, EDcl no REsp 1.025.298/RS, Rel. p/ Acórdão Min. Luis Felipe Salomão, j. 28.11.2012.
Em janeiro de 2003, quando o Código Civil entrou em vigor, a Selic estava na casa dos 19% ao ano. Mais recentemente, entre agosto de 2020 e janeiro de 2021, em voo rasante, a Selic caiu vertiginosamente para 2% ao ano.
Sobre o ponto, já foi lançada uma fagulha para discussão: “Num cenário onde a aplicação da taxa Selic como índice único (correção monetária e juros de mora) foi recentemente posto nas ações fazendárias, por meio da EC 103/2021 (artigo 3º), provavelmente surgirão discussões para que se aplique, mesmo nas relações de direito público, a regra de se excluir o IPCA (ou outro índice público mais adequado, como a TR) da taxa Selic, para se obter os ‘juros puros’. A semente foi lançada” (RODRIGUES, Rodrigo Cordeiro de Souza. “Novidades nos juros e correção monetária após a Lei 14.905/2024”. Disponível em: <https://www.conjur.com.br/2024-jul-05/novidades-nos-juros-e-correcao-monetaria-apos-a-lei-14-905-2024/>. Acesso em 29.09.2024.
Pede-se licença para pegar emprestado o exemplo de Bruno Salama e Alberto L. Barbosa Júnior: Tome-se uma dívida de R$100,00, com inflação mensal medida pelo IPCA de 1,1% e rendimento mensal da Selic naquele mesmo mês de 3,33%. Há duas formas de se fazer essa conta: (a) a primeira possibilidade é atualizar monetariamente, ao fim do mês, a dívida de R$ 100 para R$ 101,10 e sobre este valor fazer incidir a Selic deduzida do IPCA (3,33% - 1,1% = 2,2057%). O valor corrigido da obrigação seria de R$ 103,33; (b) a segunda possibilidade é incidir 1,1% de atualização monetária sobre R$ 100 e, separadamente, incidir a Selic “real” de 2,2057% também sobre o valor inicial de R$100. O valor corrigido da obrigação seria de R$ 103,30. Ou seja: dá diferença na conta, que se acentuaria se o valor fosse maior. (cf. SALAMA, Bruno Meyerhof; BARBOSA JÚNIOR, Alberto L. “Análise jurídico-econômica dos juros legais de mora: nova redação do art. 406 do Código Civil (Lei 14.905/24)”. Disponível em: <https://portal.fgv.br/artigos/analise-juridico-economica-juros-legais-mora>. Acesso em 29.09.2024).
Os quatro cenários: (i) atualização cumulada da obrigação e capitalização composta; (ii) atualização separada da obrigação e capitalização simples; (iii) atualização cumulada da obrigação e capitalização simples; (iv) atualização separada da obrigação e capitalização composta.
SALAMA, Bruno Meyerhof; BARBOSA JÚNIOR, Alberto L. “Análise jurídico-econômica dos juros legais de mora: nova redação do art. 406 do Código Civil (Lei 14.905/24)”, cit., item 2 do “resumo e conclusões”.
Críticas extraídas do seguinte texto: BRUNA, Sergio. “Quando 2 + 2 = 3,5: os juros legais e o poder regulamentar do CMN”. Disponível em: <https://www.conjur.com.br/2024-set-18/quando-2-2-35-os-juros-legais-e-o-poder-regulamentar-do-cmn/>. Acesso em 29.09.2024.
O próprio CMN reconheceu, na exposição de motivos da Resolução 5.171/2024, que, “embora os juros compostos sejam a base para os negócios nos mercados brasileiros e a própria apuração dos fatores para a formação da taxa legal preveja a adoção de juros compostos, propomos que seja empregado o regime de juros simples como forma de aplicação da TL, inclusive e especialmente para a acumulação de taxas mensais e para a apuração de juros proporcionais (fração pro rata). (…) Acrescentamos que a capitalização por meio de juros simples é a forma que tem sido utilizada nas condenações judiciais em face da Fazenda Pública, bem como em outros casos judiciais”.
A figura de linguagem é normalmente atribuída ao Einstein, mas, assim como os juros, isso também é controverso, e a bem da verdade se refere aos juros compostos (e não aos juros moratórios legais): “Juros compostos são a oitava maravilha do mundo. Aquele que o entende, o ganha; quem não tem, paga”.